A necessidade de unificação dos registros das sociedades e o projeto de novo Código Comercial 13/09/2016 - 18:50

Por: Maurício Prazak

O panorama atual:

Nada se revela mais produtivo do que o pensar novo. Realmente, o nosso país merece respirar esperança. Ainda que submetidos a duros testes, os brasileiros têm registrado, no núcleo de suas células, a ideia do possível – especialmente considerando os grandes resultados já assimilados, frutos de outras tantas difíceis experiências que passamos.

Assim se revela a nossa história e, dada essa postura altiva, acumulamos impulso para trabalhar, na certeza de que encontraremos meios factíveis que nos conduzirão a um horizonte de novas e positivas perspectivas que já começamos a divisar.

É certo que, sob o viés empresarial, ainda estamos mergulhados em graves adversidades que, nos mais diferentes setores, têm conduzido a um aumento dos pedidos de recuperação e ao número nefasto de contínuas quebras.

O panorama geral de hostilidade, não exercendo qualquer atração ao capital nacional e estrangeiro, longe está de criar condições para alavancar a nossa economia.

De fato, os empresários por todo o mundo tomam, como ponto de reflexão para suas iniciativas, uma profunda análise da qualidade do ambiente de negócios em cada país. Tal análise abarca, além da legitimidade e solidez do regime jurídico, o grau de exigências burocráticas, a celeridade e operabilidade dos atos procedimentais, a segurança jurídica na execução dos contratos, entre tantos outros fatores.

Contribuem imensamente para essa detalhada análise os relatórios anualmente publicados por grandes instituições internacionais que se propõe a monitorar os sistemas regulatórios, a burocracia e a qualidade geral do ambiente de negócios. Dentre tais relatórios, destaca-se o afamado Doing Business, desenvolvido pelo Grupo Banco Mundial.

No relatório do ano de 2016, dentre as 189 economias analisadas, o Brasil restou classificado no 116º lugar no quesito “facilidade para se fazer negócios”. Não bastasse isso, alcançamos o inconcebível 174º lugar sob o critério da burocracia e exigências para a abertura de empresas.

Dessa forma, imprescindível se faz um esforço conjugado e concentrado, por parte do governo e de toda a sociedade, no sentido de alimentar a confiança internacional de que estamos adotando medidas sérias e concretas passíveis de elevar o Brasil a um patamar mais favorável.

Nesse quesito, as reformas legais e regulatórias se revelam fundamentais.

De fato, o relatório Doing Business de 2016 conclui que o crescimento das economias está intimamente relacionado com a implementação do que denominam de “reformas nas regulações de negócios”. Só no ano passado, o relatório mostra que “as 85 economias que mais se desenvolveram implementaram, ao todo, 169 reformas”. Constata ainda que a maioria das novas reformas realizadas durante o ano de 2015 “foram projetadas para melhorar a eficiência da regulamentação, reduzindo seu custo e complexidade”1.

Em nota pública à imprensa, o Dr. Augusto Lopez-Claros, Diretor de Indicadores Globais do Grupo do Banco Mundial, que produz o mencionado relatório, afirma que "há pesquisas persuasivas que mostram como a eficiência e a qualidade da regulamentação de negócios andam lado-a-lado com uma produção mais competitiva, empresas viáveis ​​e empresas que ajudam economias a crescer".

Como se pode ler no próprio título da mencionada nota à imprensa “60% das economias do mundo melhoraram as suas regras de negócio no Ano Passado”.

Entretanto, o Brasil parece ainda se mostrar alienado dessa tendência mundial. Na análise por regiões, conclui o relatório que a “América Latina e Região do Caribe teve a menor percentagem de reformas”. Continua a triste constatação afirmando que o México figura como a economia mais bem classificada da região, (com um ranking global de 38) e que nosso vizinhos, Costa Rica e Jamaica estiveram entre as 10 economias que mais progrediram no mundo no período.



O Novo Código Comercial:

Exatamente nesse tempo, que se mostra oportuno a transformações pautadas em novos conceitos, avança em nosso Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 1.572/11, que tem por objetivo instituir um novo Código Comercial.

Numa primeira visualização, destaca-se, exatamente, a instrumentalização de propostas que aniquilam muitos dos antigos paradigmas que não mais encontram ponto de sustentação no mundo globalizado.

Uma análise mais acurada permite constatar que o Projeto tomou por inspiração uma análise profunda do cenário de investimentos no Brasil.

No ano de 2001, por solicitação de nosso Ministério das Relações Exteriores, um criterioso estudo foi elaborado pelo Foreign Investment Advisory Service (FIAS) – uma iniciativa conjunta do International Finance Corporation e do Banco Mundial2.

O objetivo deste estudo era “identificar e sintetizar os problemas e deficiências derivadas do processo de preparação do Brasil para enfrentar os desafios da economia e que afetam, negativamente, a competitividade do País” visando, com isso, “estimular os investimentos, facilitar o cotidiano dos investidores e, ao mesmo tempo, tornar o governo mais eficiente e mais eficaz”.

O estudo permitiu a constatação que boa parte das adversidades encontradas podem ser atribuídas à ausência de regras claras, objetivas, modernas em seu tempo e facilmente inteligíveis sob o viés da eficiência e da lucratividade.

Em atenção a tais orientações, o Projeto do Código Comercial tomou por desafio adequar as normas que regulam a atividade das empresas às regras internacionalmente aceitas. Por tal, entre outras tantas coisas, planeou circunstâncias voltadas à segurança dos negócios e dos contratos correspondentes, transitando pela atualização de normas que imputam desnecessários procedimentos burocráticos.

Para tanto, o Projeto dispensou propostas ou formulações exclusivamente teóricas. Sua ideação partiu da profunda análise das necessidades e dificuldades práticas reveladas pelas empresas dos mais diversos setores para, ao final, alinhá-las a uma conformação jurídica adequada.

Por conta disso, os membros da Comissão de Deputados, sob a presidência do Dep. Laércio Oliveira, e da Comissão de Juristas, na batuta do professor Fábio Ulhoa Coelho, percorreram os mais diversos Estados de nosso país. Com invejável disposição, deram voz a associações representativas, sindicatos, federações, confederações nacionais, e todos aqueles interessados na novel codificação. Após consideradas todas as propostas, críticas e sugestões apresentadas, partiu-se para a formulação da preconizada alteração legislativa.

Inclinados por essas diretrizes, que visavam conferir acentuada melhoria ao ambiente empresarial, detectou-se a necessidade de agregar a esse importante contexto o resultado da experiência internacional, revelado pelo histórico das práticas positivas adotadas por diferentes países.

Nesse sentido, um esforço conjunto foi desenvolvido pela Comissão de Direito Empresarial do Instituto de Advogados de São Paulo (IASP), a Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) e o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de Relações Empresariais Internacionais (IBREI), com vistas a comparar as medidas a serem empreendidas pelo novo Código Comercial com aquelas que alicerçam as diferentes classificações dos países nos rankings internacionais.

Dentre outras referências, foi tomado por suporte o direcionamento expresso em importantes Guias de Boas Práticas Internacionais, com destaque para aquele que pode ser depreendido ao já mencionado relatório Doing Business do Grupo Banco Mundial.

Nessa ordem, o relatório deixa expresso que “no Brasil, a magnitude e o peso da estrutura dos três níveis de governo – federal, estadual e municipal – impõem claramente uma carga sobre as operações comerciais”.

Particularizando um dos aspectos tomados em consideração, constatou-se que, “em média, para iniciar um empreendimento no Brasil gasta-se muito mais tempo e dinheiro do que em qualquer outro país da América Latina e é muito mais incômodo do que em outras regiões”.

Na oportunidade, reconhecendo a necessidade de aferir a pertinência internacional das medidas já expressas pelo Projeto, o governo brasileiro se fez representar em reuniões travadas, em Washington/DC, com os Diretores do Banco Mundial e a equipe técnica que desenvolve o relatório de índice dos Doing Business.

O presidente do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de Relações Empresariais Internacionais (IBREI), Dr. Maurício Prazak, que acompanhava referida missão oficial do governo aos Estados Unidos, afirma que “como resultado desses encontros pudemos alinhar o texto do novo Código com as recomendações de conduta que podem ser apreendidas a partir da experiência internacional. Na verdade, tais recomendações espelham, de forma clara, os desafios que o Brasil deverá enfrentar para captar oportunidades, segundo o atual desenho da economia”.

A necessária unificação dos Registros de Sociedades:

Como fruto de todo esse trabalho, restou destacada a justeza de vários pontos do Projeto, cuja implementação se mostra imperativa e urgente para o devido aperfeiçoamento de nosso ordenamento jurídico.

Dentre eles, identificou-se, de forma clara, a necessidade de eliminação da dicotomia conceitual entre as sociedades empresárias e não-empresariais, culminando com a já improrrogável iniciativa de unificação de registros nas Juntas Comerciais.

Face a isso, em substitutivo ao Projeto original, apresentado pelo Relator Geral do Código, Dep. Paes Landim, foi proposta a extinção das chamadas “sociedades simples”, atualmente submetidas ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas.

Tal medida, em consonância com a mais moderna orientação internacional, estabelece que, qualquer que seja o objeto social ou a forma de sua exploração, as sociedades estarão sempre sujeitas ao regime empresarial, previsto pelo Código Comercial.

Além disso disso, retomando o relatório do Foreign Investment Advisory Service (FIAS), verifica-se, como expressa recomendação: “racionalizar o processo de registro de empresas”, posto que o processamento de todos os registros de empresas nas Juntas Comerciais dos Estados, evitaria eventual e desnecessária confusão com possíveis consequências de ordem jurídica (por exemplo, registro no órgão errado) e poderia contribuir para a geração de um sistema mais eficiente para administração de toda a função de supervisão das empresas.

Para tanto, o mesmo Banco Mundial insta os governos Estaduais e Federal à adoção de medidas que habilitem, plenamente, as Juntas Comerciais para realizar todas essas tarefas, uma vez que, a otimização dos procedimentos traria, ainda, maior facilidade aos contadores e outros operadores do sistema.

Realmente, a existência de duas estruturas burocráticas, realizando atividades assemelhadas, mas regidas por leis diferentes e subordinadas a distintos órgãos administrativos, dificultam ou até confundem aqueles que se utilizam do serviço, abrindo as portas para toda ordem de fraudes e corrupção.

Registre-se, ainda que, por esse modelo, as Normas de Serviço da Corregedoria Geral incidiriam sobre as sociedades empresariais. Ou seja, haveria um único sistema de controle, dissociado da burocracia administrativa do Estado e imune às injunções políticas.

Ainda seguindo a ordem das recomendações apresentadas pelo Banco Mundial, o projeto de Código Comercial insta a criação de um cadastro nacional que congregue e centralize as informações de todas as Juntas Comerciais.

Esse registro único permitirá a transparência de informações relativas às empresas no Brasil, conferindo um grau mais elevado de segurança jurídica, além de facilitar os trâmites burocráticos e eliminar as possibilidades de fraudes.

Isso permitiria, por exemplo, através de uma única consulta, angariar informações sobre quaisquer empresas no território nacional, bem como sobre os diferentes incentivos e benefícios oferecidos pelo governo federal, pelos Estados e pelos milhares de Municípios espalhados pelo País.

De fato, as Juntas Comerciais já estão se aparelhado para tanto, trabalhando pela criação de um sistema de comunicação integrado. Ou seja, essa importante medida já pode ser esperada no médio prazo.

Demais disso, conforme consta do mesmo relatório acima mencionado “a adoção do sistema central de informações serviria de mais um motivo para abolição do Registro Civil de Pessoas Jurídicas – baseado nos municípios – e para reunião do registro de todos os tipos de empresas nas Juntas Comerciais dos Estados”.

De outro lado, os cartórios do Registro Civil de Pessoas Jurídicas (RCPJ), renomeados, então, como Registros de Pessoas Jurídicas, continuarão responsáveis pelo registro das Associações, Fundações, Sindicatos e Entidades Religiosas.

A longo prazo, divisa-se, com isso, o desenvolvimento de um processo de registro simplificado e centralizado, em que a empresa possa obter um único registro de identificação, válido para todos os fins e em todos os níveis, em um único ponto de entrada.

Tal sistema seria útil também para as autoridades públicas, na medida que simplificaria a administração de bancos de dados e o compartilhamento de informações nos níveis federal, estadual e municipal.

Concluindo:

Por tudo, é de se concluir, que o passo voltado à unificação dos registros societários nas Juntas Comerciais, não decorre de uma postura ideológica. Reflete, isso sim, o resultado de uma análise técnica dos índices de mercados, realizada por órgão de reconhecimento internacional, utilizando a mais avançada metodologia.

Se tal não bastasse, o IBREI, através de seu presidente, tendo sido convidado a fazer a abertura do II Encontro Nacional das Juntas Comerciais – ENAJ – realizado em Belém do Pará, no dia 31 de agosto de 2016, teve a oportunidade de debater o assunto, sob a ótica nacional e internacional, com os presidentes de Juntas de todo o país. Após profundas análises, estes reafirmaram seu entendimento de que o assunto, relativo ao registro societário é de fundamental importância na atual conjuntura de nosso país.

Em decorrência, todos aqueles presidentes firmaram, em conjunto, um documento apoiando a iniciativa do Código Comercial de empreender a unificação dos registros societários nas Juntas Comerciais.

O presidente da Associação Nacional de Juntas Comerciais (ANPREJ), Dr. Ardisson Naim Akel, resumiu as conclusões do evento afirmando: “Posso dizer, em nome de todos os Presidentes de Juntas Comerciais de nosso país – que aqui nos brindam com sua presença –, que iremos empreender todos os esforços no sentido de viabilizar a aprovação do Projeto do Novo Código Comercial, mantendo os importantes avanços ali inseridos. Certamente essa modernização das disposições legais irá beneficiar todos os empresários de nosso país”.

Diante desse contexto, é possível concluir que a não inclusão dessa unificação dos registros nas Juntas Comerciais representaria um grande retrocesso no atendimento dos anseios da sociedade empresarial. Imperioso primar, nesses tempos difíceis, pela operabilidade, uniformidade, publicidade e eticidade.




1 Cf. http://www.worldbank.org/pt/news/press-release/2015/10/27/doing-business-report-finds-more-than-60-of-worlds-economies-improved-their-business-rules-in-past-year

2 Cf. https://mail.google.com/mail/u/0/#search/banco+mundial/156d3cf99a58fd9c?projector=1